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O PLPR/POSER em Cabo-Verde: um laboratório para a democracia colaborativa

Contexto

O arquipélago do Cabo Verde, ao largo do Senegal, é constituído por nove ilhas que contem cerca de 400 000 moradores. Uma antiga colónia portuguesa independente desde 1975, o Cabo Verde foi durante séculos um relé para o comércio triangular dos escravos para a América latina. Um clima seco e uma pluviometria aleatória resultaram numa série de fomes sucessivas e letais ao curso da história, até as primeiras medidas de ajuda alimentar internacional em 1947. A emigração é forte; agora, três cabo-verdianos em quatro vivam no estrangeiro. Um país essencialmente rural, beneficiou de uma taxa de crescimento especialmente elevado desde a sua independência, em grande parte graças à valorização dos rendimentos da emigração, com um risco de aceleração do êxodo rural para os 2 centros urbanos do país (Praia et Mindelo).

Desde 1991 o país dispõe de uma democracia formal implantada ao nível nacional e local. A luta contra a pobreza representa um dos eixos prioritários do governo. Ao curso dos anos 93, reflexões e negociações com os financiadores resultaram na elaboração de estratégias e programas nacionais, como o programa nacional de luta contra a pobreza no âmbito rural (PLPR) cofinanciado pelo governo, o FIDA e os beneficiários e lançado em 2000.

Metodologia

Inspirando-se no início de metodologias participativas de desenvolvimento local, nomeadamente no âmbito do programa LEADER na Europa, o PLPR e agora o POSER em Cabo Verde representam hoje em dia uma das formas as mais avançadas de coresponsabilidade para o bem-estar de todos segundo os princípios da abordagem SPIRAL. Nomeadamente as Plataformas Multi-atores são “Comissões Regionais de Parceiros” (CRP), inscritas na lei nacional desde 2003 e estabelecidas ao nível de cada ilha. Agrupam os principais atores públicos (municipalidades, administrações descentralizadas) e privadas (ONG, empresas), como também Associações Comunitárias de Desenvolvimento (ACD), associações de moradores de cada aldeia/comunidade rural (entre 300 e 1500 pessoas). Estas associações asseguram uma representação maioritária das populações as mais desfavorecidas nas CRP, que aplicam as estratégias e os programas locais de luta contra a pobreza plurianuais (de 3 a 6 anos segundo os ciclos).

Após uma primeira fase-piloto de três anos (2000-2003), o programa entrou num primeiro ciclo de aplicação de 2003 a 2007 e depois num segundo de 2007 a 2011. Deu um verdadeiro impulso à criação de ACD, que existem agora na quase totalidade das aldeias/comunidades rurais do país (cerca de 500). Estas ACD levou os moradores a definir e realizar as melhores estratégias e ações prioritárias para libertar as populações mais desfavorecidas da pobreza no quadro de Programas Locais de Luta contra a Pobreza (PLLP). Garantiram assim progressivamente o acesso à condições de vida decentes, nomeadamente em termos de acesso à água, à moradia e às novas fontes de rendimento, dando a prioridade aos mais pobres, num espírito de solidariedade. A abordagem ascendente estabelecida permite sintonizar estas estratégias comunitárias a nível das ilhas e torná-los compatíveis com as políticas locais e nacionais como também com as ações das ONG no quadro de Programas Regionais de Luta contra a Pobreza (PRLP).

Ligação com a metodologia SPIRAL

Desde 2008, retomando os princípios de SPIRAL, um Sistema de Acompanhamento Auto-avaliação Participativo (SAP) foi concebido para permitir às comunidades de capitalizar e sistematizar os resultados obtidos, afinar e inscrever a estratégia numa visão a longo prazo, em torno de três vertentes :

  1. A elaboração de indicadores de progresso no bem-estar na base de critérios de bem-estar/mal-estar dados pelos moradores: a maioria dos moradores de 104 comunidades/aldeias participaram, em 2008 e 2009 à elaboração individual e coletiva de uma visão partilhada do bem-estar a partir dos seus próprios critérios. Os resultados tenham sido submetidos à uma análise semântico-estatística aprofundada (baixar le volume 1, le volume 2 et le volume 3 -annexes- 1. desta análise), resultaram na elaboração de indicadores de progresso para o bem-estar de todos (em curso);
  2. A co-avaliação participativa (com os promotores de projeto e os seus beneficiários) do impacto de todos os micro-projetos e ações do PLPR, destacando nomeadamente os impactos imateriais decisivos para as dinâmicas sócio-económicas locais e que as avaliações convencionais destacam dificilmente;
  3. A auto-avaliação das estruturas de democracia colaborativa (Associações de moradores -ACD- e Plataformas Multiatores -CRP-), na base de critérios de bom funcionamento, exprimidos pelos seus membros, levando à construção de uma grelha de avaliação com 7 dimensões/categorias de indicadores. 3. As auto-avaliações participativas realizadas a partir desta grelha tornaram-se ferramentas essenciais de melhoria continua do funcionamento das estruturas da democracia participativa (CRP e ACD).

Para o desenvolvimento destes três eixos, seminários-formações foram organizados desde 2008 para os animadores e responsáveis nacionais do programa, formam mais de 600 facilitadores (jovens morando nas aldeias, um ou dois numa aldeia/comunidade). Permitiram a aplicação do SAP e da metodologia SPIRAL em grande escala.

Resultados, impactos e perspetivas

O processo permitiu reforçar a participação dos habitantes aos debates e às decisões nas ACD, limitadas antes à um pequeno círculo próximo dos dirigentes. Incutiu um debate sobre o funcionamento das associações para a sua melhoria, ao nível da governação, da gestão, da democracia interna, das parcerias, etc.

Mais geralmente o dispositivo das ACD e CRP e a metodologia ascendente que foi desenvolvida dentro dele tornaram-se muito eficientes e eficazes na luta contra a pobreza, permitindo ao Cabo Verde atingir os objetivos do Milénio desde 2012. Têm nomeadamente permitido uma mobilização do conjunto da sociedade cabo-verdiana para a luta contra pobreza e o desenvolvimento comunitário, além dos moradores das comunidades para afetar as camadas sociais urbanas e a solidariedade nacional mesma, graças nomeadamente à importante diáspora cabo-verdiana. Assim, as ACD e CRP ganharam pouco a pouco uma autonomia financeira, dependendo cada vez menos dos fundos do PLPR para o financiamento dos projetos locais. Um novo modelo de desenvolvimento afirmou-se progressivamente, baseado na fixação das populações, nomeadamente jovens nas zonas rurais, enquanto antes a sua aspiração dominante foi ir para a cidade e emigrar.

Um dos elementos chaves deste sucesso foi a autonomia de decisão das ACD e CRP e os princípios de solidariedade e de coresponsabilidade para o bem-estar de todos que desenvolveram. Isso levou-os por exemplo a constituir fundos de solidariedade que permitem adquirir equipamentos ou instalações (habitações, tanques de água, barcos de pesca, equipamentos agrícolas, terrenos, etc) seja para utilização coletiva ou à disposição de aqueles que mais precisam e que voltam à coletividade uma vez que não precisam. É uma verdadeira gestão de bens comuns que foi estabelecida permitindo o desenvolvimento de atividades económicas para as pessoas sem recursos. Ver as sub-redes temáticas gestion des biens communs et création d’emplois.

Com base nesta experiência, o Governo com o apoio do FIDA tem lançado um novo programa, o POSER, que é uma continuação do PLPR para os anos 2013-2019. O objetivo é de ir além de uma luta contra a pobreza para incluir nesta abordagem todas as políticas setoriais de desenvolvimento sócio-económico das comunidades (agricultura, gado, pesca, energia, turismo, serviços, PME em geral, saúde, educação, etc). A criação de redes temáticas das ACD está prevista para isso, como também um reforço do sistema de gestão participativa do conhecimento dentro deles, e a extensão do número e das competências dos jovens facilitadores nas comunidades, dando-lhes um papel e os meios de organizar uma própria autonomia económica.

Limitas e transferências

As limitas encontradas são essencialmente ligadas ao caráter piloto da abordagem, que precisa de ajustamentos organizacionais e metodológicos. A aplicação do sistema de acompanhamento auto-avaliação participativo foi nomeadamente a ocasião de experimentar pela primeira vez a abordagem SPIRAL proposta pelo Conselho da Europa à escala do país e aperfeiçoar esta no plano da preparação e da difusão (formação, conceção e adaptação com os atores envolvidos, diretamente relacionados com a experimentação) bem como no plano dos métodos de aplicação e das ferramentas que devem ser estabelecidas.

A experiência cabo-verdiana que contribuiu à co-construção de SPIRAL, inspire agora outros países africanos. No Gabão, por exemplo, uma abordagem similar é considerada em cooperação com o Cabo-Verde.

Conclusão

Com o PLPR e agora o POSER, o Cabo-Verde torna-se um laboratório particularmente avançada em termos de articulação entre uma democracia colaborativa nascente e a democracia representativa convencional. Nomeadamente a existência de Plataformas Multiatores em cada território inter-municipal (uma CRP em cada ilha ou parte de ilha no caso de Santiago) cujas associações de moradores nas aldeias (ACD) são todas membros ao mesmo nível do que as municipalidades e outros atores locais, permite uma expressão da coresponsabilidade à todas as escalas territoriais e uma melhor efetividade da função pública. Estas estruturas de democracia colaborativa desempenham um papel de relé da ação pública até o nível micro-local e de correspondência com as verdadeiras expetativas e necessidades dos cidadãos. Hoje, as municipalidades mas também todos os ministérios apoiam-se sobre elas para afinar as suas políticas e garantir a relevância e eficiência das suas ações em concertação com os moradores. A distribuição de fundos à estas estruturas segundo um princípio de coresponsabilidade em relação com objetivos e uma estratégia global torna-se uma força de mobilização especialmente eficaz de todas as partes interessadas.

Principais ensinamentos

Com um nível avançado de mais de 15 anos de experimentação, a experiência cabo-verdiana é particularmente rica de ensinamentos, nomeadamente sobre o papel das instituições públicas para evoluir para a coresponsabilidade para o bem-estar de todos.Destaca nomeadamente as três funções essenciais dos poderes públicos:

  1. Função de fiador 1. criando quadros e estruturas legais de coresponsabilidade (associações de moradores nas aldeias e bairros de cidades e plataformas multi-atores – CRP- ao nível inter-municipal) e dando-lhes uma função reconhecida de democracia colaborativa complementar da democracia representativa. Fiador também ao nível das regras gerais de funcionamento que são definidas e concedidas como princípio de base.
  2. Função incentiva 2. pelo financiamento destas estruturas e das suas ações segundo um princípio de coresponsabilidade global:
    • Compromisso sobre uma estratégia de ação plurianual predefinida entre ACD e CRP segundo um modo participativo e interativo.
    • Acordo sobre os princípios metodológicos e as grandes orientações.
    • Financiamento global e controlo a posteriori apoiando-se sobre um triplo sistema de auto-avaliação participativa ascendente: 1) co-avaliação participativa do impacto das ações, complementar dos indicadores objetivos convencionais, destacando os impactos imateriais decisivos para as dinâmicas sócio-económicas locais ; 2) auto-avaliação e melhorias permanentes das ACD e CRP ; 3) construção de indicadores do bem-estar de todos (esta última parte está ainda em curso).
  3. Função facilitadora 3. que se encontra em vários níveis: seminários regulares de capitalização metodológica; formações sucessivas dos animadores das CRP e dos facilitadores das ACD; colocação à disposição de equipamentos informático e internet para a animação descentralizada de redes temáticas; valorização dos facilitadores das ACD como relés locais voluntários dos ministérios e apoio no desenvolvimento da sua própria atividade económica para que possam viver dele.

Os ensinamentos metodológicos desta experiência são numerosos e a experiência cabo-verdiana contribuiu em grande parte ao aperfeiçoamento da abordagem SPIRAL. Podemos citar:

  • Os modos de formação sucessiva permitindo formar muito rapidamente um grande número de pessoas à abordagem
  • A aplicação da abordagem com todos os moradores das aldeias/comunidades rurais, permitindo dispor de uma base de dados muito detalhada sobre as expetativas dos moradores.
  • A auto-avaliação participativa das estruturas de democracia colaborativa (associações de moradores e plataformas multiatores), elemento essencial de melhoria continua (correspondente à fase 8 de SPIRAL)
  • Os métodos de financiamento e de gestão dos bens comuns.

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